É um apelo a que tu, camarada, que estivestena Guiné, venhas confraternizar connosco. Verás que não te vais arrepender.
E tu, quem és?
Já se passaram muitos anos.
Abril ainda baila nos corações nostálgicos de quem ainda tão novo, foi embalado nas ondas do Atlântico ao encontro daquela terra vermelha com sabor africano.
Era um tempo de saltimbancos e de biscates silenciosos, de andorinhas e de melros que cantavam ao fim da tarde nos jardins das casas burguesas. Mas era, igualmente, um tempo de mar e de traineiras, um tempo operário e clandestino, com a Fábrica das Redes, a Algarve Exportadora, a Oliveira & Ferreirinhas e tantas, tantas outras empresas do nosso Matosinhos a verem partir os seus colaboradores para a guerra colonial.
O destino era África e as colónias portuguesas.
Naquele tempo, era muito difícil explicar aos rapazes jovens o “porquê” de terem de combater numa extensão territorial muito diferente do solo que os vira nascer. Era um tempo diferente. Um bocado à imagem da submissão instituída e da divisão por sexos, com escolas para meninas e escolas para meninos. Era um tempo em que os rapazes jogavam à bola na rua, em renhidas peladinhas do “muda aos seis e acaba aos doze” e, as meninas, faziam casinhas de brincar para desenvolverem a sua capacidade para a procriação, para no futuro cuidarem da casa, do maridinho, dos filhos e desenvolverem o modelo de mulher como um dia o sonhou Filipa de Vilhena.
Mas nesse tempo dos nossos vinte anos, existia uma coisa muito bonita que era o “respeitinho!”
Naquela altura, nos transportes públicos, as pessoas levantavam-se dos seus lugares, para o oferecerem a uma mulher grávida ou a uma pessoa mais velha que, entretanto, viajava de pé.
E hoje?
Naquela altura, os pais eram mesmo “Encarregados de Educação” e os professores eram respeitados nas escolas e nas salas de aulas.
E hoje?
Naquela altura a utopia vestia-se de vários encantos. Até o puritanismo era diferente; aliás, não era senão uma forma de enganar desejos ocultos e assentes, na maioria das vezes, nos tabus impostos pela política dominante.
E estávamos na década de sessenta e depois, apareceu a década de setenta do século passado!...
Foi um tempo de Coimbra, de Maio, de uma Seara Nova e dos Movimentos estudantis. Foi, igualmente, um tempo de Miller Guerra, de Sá Carneiro, de Francisco Balsemão e de outros liberais que, na então Assembleia Nacional, representavam a mudança que Abril mais tarde protagonizou.
E nós, éramos jovens.
A maioria de nós, éramos mesmo muito jovens.
Passei muitos anos que tinha jurado a mim mesmo nunca mais falar disso. Nem à minha mulher, nem aos meus filhos, nem aos meus amigos. Percebo agora que fiz mal. Devia ter contado a toda a gente para que toda a gente soubesse o que foi a Guerra e em especial a Guerra na Guiné-Bissau.
Hoje, numa espécie de catarse, tento recuperar o tempo perdido e sempre que posso, confraternizo com os camaradas que estiveram, igualmente, naquele território africano.
Graças à persistência e convivência destes camaradas, que há tempos se juntam num almoço em Matosinhos, com o fim de sedimentarem camaradagens e amizades antigas, foi criada recentemente, uma Associação, para ajuda ao povo guineense. E quando a causa é Solidariedade, todas as acções são bem vindas.
Amanhã, Sábado dia 6 de Março, aqui num Restaurante em Matosinhos, um grupo considerável de matosinhenses que têm em comum, um dia terem sido mobilizados para a Guiné-Bissau, vão confraternizar num almoço de camaradagem e de saudade e perante proeminentes barriguinhas e névoa em alguns cabelos, vão recordar a generosidade esbelta da sua juventude e perguntar ao camarada do lado:
E tu, quem és?
Em que zona da Guiné estiveste?
E perante o desfilar das recordações vai ser bonito ouvir balbuciado nos lábios destes combatentes, novamente, a palavra “Pátria”.
É sem dúvida um belo texto!
ResponderEliminarSentido! Verdadeiro! E que reflecte os sentimentos da maioria de nós.
É bem verdade que foi assim que se passou.
Um abraço
Hélder S.
Estou no trabalho
ResponderEliminaré da Net que me valho
vai ser publicado em Jornal
um texto fenomenal
correu uma lagrima pela face
não consegui qu'ela parasse
é assim cá o Zé
quando lhe falam da Guiné
Jose Carvalho
Ex Fur Mil
Fernando Santos
ResponderEliminarApenas reproduzo duas frases bem conhecidas:
1-"Defendeste a Pátria, cumpriste o teu dever; a Pátria foi ingrata, fez o que costuma fazer"
2-"A minha pátria é a língua portuguesa"
As duas estão, em pleno, no teu belo texto.
Abraço, do
Santos Oliveira
O maior prazer que tenho, quando à quarta feira encontro um camarada que aparece pela primeira vez na Tabanca de Matosinhos é fazer a pergunta sacramental "Onde estiveste?
ResponderEliminarA conversa segue depois e normalmente muito animada e sobretudo recordativa.
parabéns pelo excelente texto.
Que saudades desses bons velhos tempos.
ResponderEliminarMuita educação, muita porradinha, muita amizade, muita solidariedade, muito trabalho, muito pouco dinheirinho, muita alegria, so a porra da tropa é que estragava tudo, por causa da guerra senão também se levava na boa, apesar de não ganharmos cheta.
Mas os nossos vinte aninhos é que eram muito lindos!
Gostei muito do texto e das lembranças que me trouxe.
Um grande abraço para todos,
Adriano MOREIRA - cart. 2412