“Istórias” da História da Guerra Colonial – Guiné-Bissau
“CONVERSAS Á MESA COM CAMARADAS AUSENTES”
3 – DA CHEGADA A BISSAU AO AQUARTELAMENTO NO XITOLE
O velho “Carvalho Araújo” atracava em Bissau.
Lembras-te camarada da minha reacção após o impacto das primeiras imagens de Bissau? Isto não parece tão mau quanto nos pintavam, dizia eu. Como esta primeira impressão terá sido tão enganosa para muitos de nós. Chegada a hora, saltamos para cima das “Berliets”, misturados com os sacos da nossa “fortuna” e iniciamos a marcha com destino ao Depósito de Adidos. Percorríamos a avenida principal de Bissau e, do cimo das viaturas, os nossos olhares absorviam e registavam imagens de cada esquina e os nossos pensamentos fervilhavam de interrogações. Para nosso espanto a pequenada guineense esforçava-se por acompanhar (saltitando) a marcha das viaturas e, com o dedo indicador direito na horizontal, cantarolavam um refrão repetitivo que nos primeiros momentos não conseguimos decifrar. “Salta Periquito Salta” e “Periquito Vai Para o Mato” vindo da pequenada, parecia-nos um ritual de boas-vindas, mas na verdade era uma vulgarizada lenga - lenga a mostrar-nos que estávamos na 1º ano do curso “VAIS VER COMO ELAS TE MORDEM”. Chegados á rotunda ao fim da Avenida deparamo-nos com um bem cuidado e bonito palacete que era a residência do Governador e Comandante-Chefe General António de Spínola e, cuja Guarda de Honra se colocou em posição de sentido á passagem da nossa coluna. Sendo um ritual militar, significou para muitos de nós como que um silencioso discurso de Boas Vindas que respeitosamente aceitamos.
E a marcha prosseguiu até ao Depósito de Adidos, sendo de assinalar no percurso, pelo seu significado, o Hospital Militar. Uma unidade de referência, de boa memória para tantos de nós que nela encontraram a solução dos seus problemas físicos e mentais em resultado da permanência no cenário de guerra.
Chegados ao Depósito de Adidos, local em que iríamos aguardar transporte para o Xitole e que nos permitiu alguns dias de permanência em Bissau, logo me dirigi à enfermaria na procura de apoio para debelar um persistente e incómodo desarranjo intestinal, em resultado do excessivo consumo de citrinos devido aos enjoos na viagem de barco.
Então rapaz, como é que te deixas-te chegar a este ponto? Quem me dirigia estas palavras era o Primeiro - Sargento Enfermeiro, de trato muito afável, que me acompanhou como se dos seus eu fizesse parte. O nosso cabo vai ter que ficar aqui uns dias, dizia-me ele, quase como que pedindo. Fiquei marcado pela dedicação e profissionalismo deste Homem maduro de quem não recordo o nome mas, de quem guardo uma saudosa recordação. Enquanto me recuperava nos Adidos, recebia manifestações do vosso apoio. Enquanto se aguardava transporte para o interior, a “malta” entusiasmava-se com as idas a Bissau. Começaram a fazer parte do vocabulário expressões como “Vamos ao Pilão e “Vamos ao café Bento”. Eram os primeiros sinais de envolvência dos encantos africanos.
Já recomposto, chega o dia do transporte em LDG para o Xime, primeira etapa do nosso destino. Enquanto navegava-mos no Geba Largo não se notavam cuidados especiais de segurança e os semblantes eram descontraídos. Mas, quando as suas margens começaram a ficar bem menos largas, aí por alturas da confluência com o Rio Corubal passamos a ser sobrevoados por helis e aviões e, percebendo-se que as coisas podiam ficar feias, os semblantes passaram a ficar carregados. Instintivamente o pessoal embarcado procurou abrigo na estrutura da embarcação e, quando deitava um olho de fora, sentia as margens demasiado próximas e entendia o porquê do apoio aéreo para além das armas da LDG prontas a disparar. Entre o pessoal da Marinha falava-se da Ponta do Inglês com se do inferno se tratasse mas chegamos ao Xime sem qualquer contratempo. A Força Aérea, a Marinha e porventura o nosso pessoal colocado ao longo das margens tinham garantido a nossa segurança.
Todos percebemos, ao pisarmos a plataforma de desembarque no Xime, que estávamos já no temível MATO. Nesta zona iria ficar aquartelada a CART 2715, uma das Companhias que integravam o nosso BART 2917. O quartel ficava ao alcance visual talvez aí a dois quilómetros, “montado” numa pequena elevação e colado de um dos lados a uma floresta e do outro espraiava-se uma grande bolanha que se estendia até perto do cais em que nos encontravamos.
Como se devem recordar camaradas, uma razoável colunas de viaturas, entre militares e civis, iria fazer a segunda etapa do nosso percurso com passagem por Bambadinca. Iria acontecer neste trajecto o nosso primeiro contacto com uma “picadas , com as incómodas das nuvens de pó e, com os violentos balanços das viaturas em resultado das cavernas no piso provocadas por antigos rebentamentos de “MINAS” . Era assim que passariam a ser as nossas deslocações qualquer que fosse o destino envolvente do Xitole. Neste trajecto conhecemos também as “bolanhas” que, passariam a ser “companheiras” do nosso quotidiano e que, quando ficavam mais alagadas na época das chuvas provocavam o isolamento de muitas localidades, incluindo o Xitole.
Chegados a Bambadinca, povoação de razoável dimensão e que funciona como entroncamento para vários destinos no interior da Guiné, ficamos com a convicção de ser um local seguro e em que fervilhavam muitas crianças de sorriso aberto, não sei se pela nossa presença ou porque seria assim a sua postura cultural e de vida.
Aqui iria ficar aquartelada a CCS do nosso Batalhão e aqui ficavas tu camarada. Um forte e sentido abraço e o desejo de boa sorte mútuos selou a nossa separação mas não secou na nossa amizade.
Retomamos a marcha a caminho do Xitole.
Neste percurso sentimos o abraço fechado da floresta sobre a picada, fomos atravessando o que seriam pequenos riachos secos, com pontes algo improvisadas e, aqui e ali, pequenas bolanhas com alguma água acumulada e muita verdura, povoadas de aves brancas e elegantes a que chamavam de “enfermeiros” pela semelhança das roupagens. Esta era a visão da beleza natural da geografia do percurso entre Bambadinca e o Xitole, com passagem, sensivelmente a meio por Mansambo, local em que ficaria aquartelada a CART 2714. Esta localidade fica num desvio á direita, algo afastada da estrada, o que não me permitiu vislumbrar pormenores do quartel. Foi possível assinalar, anichados na floresta, a presença das nossas tropas a fazer a segurança da coluna em praticamente todo o trajecto, pois a zona era propícia a emboscadas.
E continuamos o caminho.
A paisagem do restante trajecto não se alteraria até ao aparecimento de uma grande bolanha, rematada por uma ponte, um fortim e outras infra-estruturas que indiciavam que estávamos perante um aquartelamento militar.
Será o Xitole? Terá sido a pergunta que todos se faziam. Não o era ainda, mas o destacamento de um poletão de protecção á ponte que garantia a travessia do Rio Pulon e a chegada ao Xitole. O Rio Pulon é um pequeno curso de água, afluente do Corubal, que se mantém vivo mesmo na época seca e onde é possível encontrar alguns pequenos crocodilos na proximidade da Ponte dos Fulas como é conhecida. Estamos a um passo do Xitole, a cerca de três quilómetros conforme nos informaram os militares aí aquartelados que não escondiam, estampada nos seus rostos, a satisfação pela nossa presença.
Chegados enfim ao Xitole onde fomos entusiasticamente recebidos pelos militares residentes e, com manifestações de regozijo especialmente pela pequenada que não escondia a curiosidade pelos “Piriquitos” e que pareciam ter pressa em fazer novas amizades. Quando levantamos o olhar e “miramos” o quartel sentimos um misto de alívio e admiração. A nossa primeira impressão é de que chegamos a uma casa arrumada e que as infra-estruturas inspiravam alguma tranquilidade. Uma parada comprida, ladeada de edifícios e com abrigos abaixo do nível do solo, em que se destaca logo á entrada do lado esquerdo a oficina mecânica e, mais ao fundo á direita, uma casa com aspecto europeu que mais tarde identificamos como sendo a sede da Autoridade Administrativa “Chefe de Posto”.
No centro da parada, uma grande árvore e, num pequeno espaço com arranjo ajardinado encontram-se o mastro em que está hasteada a Bandeira Nacional e o monumento á memória dos que haviam tombado da companhia que íamos render.
E lançamos aqui a âncora do nosso destino por tempos de esperança.
Continua…………..
Continuas a notável narração, Zé Rodrigues.
ResponderEliminarComo deve der.
História vivida e pura e que não deixa, nem causa, dúvidas a ninguém.
Estilo lindíssimo que desperta compreensão e um certo aligeirar da pressão que foi vivida.
Parabéns.
Venham mais!...
Abraços do,
Santos Oliveira