Esta jornada e 6 de Janeiro de 2010 no Milho Rei deu-me para reflectir. E estas jornadas dão sempre, no meio da alegria e da descontracção, para pensarmos na amizade e solidariedade com o povo da Guiné-Bissau e na camaradagem que une os ex-combatentes. E nesta palavra - camaradagem - está a origem das minhas reflexões.
Esteve lá pela primeira vez (cada vez são mais) o Leite Rodrigues, capitão reformado da GNR e exímio cavaleiro que participou nas provas hípicas das Olimpíadas de Pequim. Na Guiné, como alferes da CCAV1748, paricipou na operação "Imparável" em Sinchã Jobel, a 15 e 16 de Outubro de 1967, tendo aí sido ferido. Levou uma rocketada nos queixos (sic, ipsis verbis), pelo que teve de ser evacuado para o HMP, à Estrela, em Lisboa, onde esteve nove meses sem poder abrir a boca (sic, ipsis verbis também). Podíamos ter-nos lá encontrado, porque eu também tinha sido evacuado e devia lá estar. Mas não, porque eu sempre me desenfiei e nunca dormi no hospital, só ia aos tratamentos e consultas. A minha situação não era tão grave como a dele, claro.
Ele esteve ao meu lado na mesa. Falámos sobre Sinchã Jobel, tinha de ser, mas falámos também sobre o 25 de Abril e a GNR. É que, nessa data, ele estava dentro do quartel do Carmo e eu estava do lado de fora, como civil (o Cancela tinha o livro, já mostrado aqui no blogue, "Para Além do Portão - A GNR e o Carmo na Revolução de Abril" e isso deu uma ajuda). Estivemos muito bem, como amigos e camaradas, e, no final, chegámos à conclusão que, afinal, éramos ambos membros da mesma associação, a Associação 25 de Abril.
...E é isto que me fez pensar, e espantar, por que ainda haverá ex-combatentes agarrados a preconceitos que os levam a ter horror a tratar os outros ex-combatentes por camaradas. Diz o mestre Morais da minha juventude que a palavra "preconceito" quer dizer "Ideia, conceito tomado antecipadamente e sem fundamento. Obrigação de obediência inflexível a certas normas de procedimento convencional ou tradicionalmente estabelecido. Estado de superstição, de cegueira moral" - é, de facto, o "pré-conceito". Se eu o tivesse tido, não chegaria às conclusões a que cheguei com o Leite Rodrigues.
Mas minhoquei mais, furei, e fui ver que CAMARADA significa, no Dicionário Priberan da Língua Portuguesa, "impedido (no exército), tratamento dado aos soldados, companheiro, colega". E descobri, novamente no saudoso Morais, que essa palavra quer dizer "companheiro, condiscípulo, soldado da mesma companhia, regimento, divisão etc, ou prestante, amigo". Diz ele também que CAMARADAGEM é "sociedade, amizade de camaradas, convivência, companhia, solidariedade". e que um CAMARADÃO é "um bom camarada".
Mas, e aqui comecei a vislumbrar as amarras dos "pré-conceitos", o Priberan também diz que CAMARADA é "a denominação usada entre membros dos partidos de esquerda e dos sindicatos, é pessoa amancebada e, no Brasil, trabalhador em cultura de café, milho ou açúcar". Já o velho Morais acrescenta que, como adjectivo, "diz-se dos membros dos Partido Comunistas, sendo entre eles esta forma de tratamento". Também diz que, na gíria, "designa o piolho".
No meio destas reflexões, saltou-me à cabeça porque é que há quem usa a palavra "camarigos". Não quererão, naturalmente, ser confundidos com amancebados, trabalhadores do café, impedidos (esta, então, não fará mesmo sentido para os que foram alferes ou furriéis), ou piolhos. Só não percebo porque não, mas acho que poderiam também usar "amigadas"
Caros camaradas, amigos, as tainadas também dão para pensar e poder dar um outro tom, mudando os que costumamos usar nos nossos relatos delas. Lá estaremos para a próxima.
A. Marques Lopes
Gostaria apenas de complementar a abordagem ao termo "camarada", sob o ponto de vista do preconceito, referindo que também os simpatizantes e militantes do Partido Nacional Socialista alemão se tratavam por camaradas, bem como os militares alemães mais ligados à causa nazi.
ResponderEliminarPessoalmente prefiro continuar a perceber "camarada" como aquele que comunga e pratica e/ou vive em ou com camaradagem.
João Rebocho Pinto
As palavras são palavras, só,... eu até já ouvi pessoas referirem-se a outras, com doçura (acredite quem quiser): ah meu f.... d. p...!
ResponderEliminarAssim, sou daqueles que pensam que está bem camarada, camarigo, companheiro etc...etc...
Um abraço
Carvalho de Mampatá
Pois sim senhor, gostei do artigo e do que motivou a reflexão do AMLopes...
ResponderEliminarÉ bem verdade que os pré-conceitos acabam, quase sempre, por bloquear bons desenvolvimentos e melhores conclusões, por isso concordo que se deva lutar contra eles, mas também, como diz o outro, 'é a vida!'
Hélder Sousa
Caro Marques Lopes.
ResponderEliminarCamarada.
Uma das coisas que me ensinaram quando entrei para a tropa - Abril de 1967 - é que o tratamento de camarada deveria ser usado entre soldados. Admirei-me desta palavra fazer parte do vocabulário militar, precisamente pelas ligações implícitas ao PCP. Raramente a terei ouvido durante os meus 3 anos e pico de s.m. mas usei-a - e uso-a muitas vezes - até para chatear alguém. Ex. Oiça lá ó camarada...; ou ainda vc. camarada é um fdp...; embora este estilo seja mais digno do Carvalho e do Zé Manel latifundiário, eu não o engeito.
Mas admiro-me, camarada, ao fim destes anos todos, ainda te socorreres do Morais (cá em cima é o Porto Editora que se usa) para descobrires para que serve a palavra.
Um abraço para a Tabanca
É evidente que o tratamento de "camarada" entre o simpatizantes e militantes do PSN e entre os militares alemães, como diz o João Rebocho Pinto (não sabia, mas acredito) só vem demonstrar que havia um conluio de solidariedade entre eles. Para quê é outra questão. E, ó meu amigo e camarada Portojo, devias saber que eu, com a minha já provecta idade, não sou dado a essas modernices como a "Porto Editora", agarro-me naturalmente mais ao antigo. Além do mais, mas isso vejo que já sabes, eu sou de Lisboa, donde era também o Morais.
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