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- Nome?
- Tino.
- Tu regulas bem da cabeça, ou quê? Quero o nome do registo civil, percebes?
- Albertino Bexiga, mas todos me tratam por Tino.
- O raio dos diminutivos do Porto! Filiação?
- Sou filiado no Futebol Clube do Porto.
- Tu vens para aqui gozar com a tropa?! Olha que eu racho-te de meio a meio que ficas sem conserto! – berrou o sargento da secretaria do Centro de Instrução, com os olhos a saírem das órbitas. – Filiação é o nome do pai e da mãe! Vai cantando logo de seguida a idade e a naturalidade.
- Mãe, Maria Bexiga, pai… incógnito, binte e um anos, nascido em Matosinhos.
- Profissão?
- Embarcador e desembarcador de terra e mar.
- Se calhar és primo de algum almirante – começou o sargento em voz cinicamente pausada, para depois, no instante seguinte, berrar, levantando-se da cadeira: - Aos engraçadinhos aqui caem-lhes os dentes – e agarrando-o pelos colarinhos: - Tem juizinho, menino! Profissão?
- Estibador.
- Em caso de acidente, morte ou ferimento quem deve ser avisado?
- Ninguém.
Faltava apenas uma alínea e gritou:
- Nome de guerra, que nome escolhes?
- Tino.
O sargento olhou-o como se quisesse poupar à guerrilha o trabalho de o estender para sempre numa emboscada ou mina.
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Era esse olhar que o Tino recordou enquanto abria caminho pelo vale cheio de gritos e rugidos que pareciam subir do fundo da terra.
- Lá estão esses cabrões a assoprar nos cornos do diabo! – exclamou para se animar e também para se esquecer. Dava azar crer que alguém o desejava morto, principalmente agora que esse facto não seria nada de extraordinário. Os “turras” não estavam ali para outra coisa. Para evitar que os inimigos cumprissem nele o seu dever, era preciso abrir os olhos e os ouvidos, esquecer a fome e a sede, os mortos não comem nem bebem. Queria apagar o olhar agoirento do sargento e, na dúvida, carregar o gatilho até despejar o carregador.
Avançava dobrado sobre a cintura, a G3 apontada para a frente, cada vez mais devagar, espreitando por entre as folhas, pisando o chão com cuidado para não fazer barulho.
…»
“Fotografia” de cá e de lá, podemos dizer que, com variantes, não será pouco comum da generalidade dos soldados que foram à guerra. Para nós, desta “Tabanca de Matosinhos”, tem o interesse de ser a de um matosinhense. Foi o Carlos Vale Ferraz (isto é, o Coronel Matos Gomes) que a fez no seu livro “Nó Cego”.
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Por tudo isso, ML eu o recomendei. Uma coisa não acredito - coitada da minha ex-classe, lá vai levar - que o sargento soubesse se a profissão de carregador e descarregador existia ou nao.
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