segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

P032-MATOSINHOS ESTÁ DE LUTO

Monumento que recorda o grande naufrágio de 1947

Muitos dos membros da nossa Tabanca não vivem em Matosinhos.
No mínimo um dia por semana rumamos a esta linda terra para convivermos fraternalmente. Um ponto de encontro que nos faz sentir felizes.
Não podemos ficar insensíveis à dor que nestes últimos dias abalou uma classe laboriosa, a dos pescadores e sobretudo as famílias que viram os seus entes queridos partirem para a eternidade com o naufrágio do Rosamar.
Para os pescadores e para as familias enlutadas a nossa solidariedade.
A propósito o Camarada Joaquim Ferreira Neto, membro desta Tabanca de Matosinhos enviou-nos um artigo que recorda um naufrágio em 1947 de dimensões muito mais gravosas que não pode ser esquecido.
Heróis anónimos
1 de Dezembro de 1947, feriado nacional, que só não era guardado pelos pescadores. Dia ventoso, vento sudoeste. O pescado nesse dia situava-se a sul, todos os barcos na faina se situavam portanto nesse quadrante e muito deslocados.
O pessoal apercebia-se que poderia haver volta de vento, para o sentido mais perigoso, noroeste, com o consequente crescimento do mar e vagas atravessadas.
Era imperioso rumar ao porto de Leixões, o que fizeram. Uns com potência suficiente da máquina fizeram-no com êxito a pesar de o vento ter entretanto mudado, outros os que se situavam mais longe, começavam a sentir dificuldades acrescidas com a intensidade do vento a aumentar.
Gerava-se o alarme entre as famílias daqueles que labutavam. Acorriam em massa para a praia esperando ansiosamente a entrada a salvo dos seus.
Era já noite, o que tornava difícil a identificação e o engano instalava-se fazendo ruir a esperança de muitos.
Ao longe, antes da barreira do esporão as vagas partiam, o que tornava toda a extensão visível num mar de espuma branca.
Os gritos e as lamentações aumentavam quebradas de tempos a tempos por gritos de júbilo quando entrava uma embarcação identificada.
Naquele tempo não havia comunicação rádio nem previsões meteriológicas o que tornava a faina da pesca dependente do sentido dos pescadores adquirido através do saber empírico de gerações.
Altas horas da noite, já quase tudo tinha entrado, excepto umas poucas embarcações, que embora poucas representavam muitas vidas.
Assim "Rosa Faustino ", Maria Miguel", "Senhora da Guia", "São Salvador", "D. Manuel" e "Moreia", eram as embarcações que faltavam.
Só duas voltariam, " Senhora da Guia" entraria às dez da manhã do dia seguinte e "Moreia" às três da manhã.
"D. Manuel" seria apanhado de través por uma onda voltando-se e literalmente rolando e despejando máquina e caldeira até encalhar no cabedelo do rio Douro, escapando apenas alguns poucos tripulantes que se refugiaram nas cavernas, em vez de se lançarem ao mar, fazendo-o somente depois do barco ter encalhado, e mesmo assim escapando com muita dificuldade.
"Maria Miguel" barco de construção recente em que as cavilhas tradicionais de fixação foram substituidas por parafusos , "São Salvador" e "Rosa Faustino", ninguém escapou.
"Senhora da Guia" inteligentemente fez-se ao alto mar a fim de evitar o quebrar das ondas, teve êxito felizmente.
"Moreia" teve ideia semelhante. A sua máquina era de fraca potência - 135 HP-, para um casco que necessitava de pelo menos 200 HP,- alma pequena em corpo grande -, e ainda em fase de experiência de hélice.
Assim decidiu aproar a noroeste sustendo assim as vagas no sentido de as cortar de proa rumando ao mesmo tempo para o mar alto onde a vaga não quebrava.
Quando o barco se encontrava já a norte do esporão, uma vaga alterosa o fez empinar com a consequente queda em vazio e embate no cavado da onda, resultando a quebra da quilha por uma linha de emenda resultante de uma substituição parcial da mesma feita tempos antes.
Como consequência o barco abriu água e a invasão da mesma por todo o fundo da embarcação incluindo a casa das máquinas.
Aí duas hipóteses: afundamento e o consequente salvamento da tripulação com os meios disponíveis -(colete de salvação), que se demonstrou mais tarde não ser minimamente suficiente, ou tentar com água aberta atingir o porto de abrigo.
Opta-se por esta última hipótese, que implicava a difícil tarefa de inverter o sentido de navegação, porquanto o barco corria o risco de se voltar quando apanhasse as vagas de través.
Assim haveria o cuidado de rodar no sentido oposto ao da localização da rede cujo peso contrabalançaria o efeito das vagas.
A inundação continuava, era a luta contra o tempo. O motorista, único membro da tripulação abaixo do tombadilho, com a água pela cintura, com os diversos objectos que boiavam, tocando-o amiudadas vezes, não se atrevia a pedir um colete de salvação. Fazê-lo seria incutir nos seus companheiros a certeza de que tudo estava perdido, e daí aumentar o pânico já existente.
Por isso estoicamente ia ajudando o motor com injecção manual a fim de retirar deste mais alguns cavalos de potência.
Embora não católico, nem protestante, nem qualquer religião conhecida, mas cristão natural profundo, animava a tripulação dizendo: "Vamos com Deus".
E ele só e com a ajuda de Deus, conduziu o barco a bom porto, encalhando à justa na lingueta do porto de serviço, eram três horas da manhã do dia dois de Dezembro de 1947.
Nessa noite trágica pereceram cerca de 150 pescadores.
Nunca Matosinhos guardou luto pelo aniversário desse dia."

Abraço
F. Neto

1 comentário:

  1. Não sei o porquê, mas só hoje li este poste da autoria do Neto.
    Não vou deixar um comentário porque me deu apetites de escrever no blogue.

    ResponderEliminar