sábado, 11 de abril de 2009

P139-Os "especiais"

Uma vez mais iremos fugir ao tema a que nos propusemos com a criação deste blogue mas, ainda a propósito da frase no mínimo infeliz de um general num programa televisivo, recebemos para publicação o texto abaixo da autoria do nosso querido e sempre presente camarada Barbosa que nos pareceu que seria do agrado de todos quantos vão seguindo estas nossas peripécias, comezainas e outras manifestações de camaradagem salutar.
Espero que gostem tanto quanto eu gostei

Os "Especiais"

Aqui há tempos fui desafiado, na nossa Tabanca, por vários colegas a escrever alguns episódios que, de vez em quando, ia relatando oralmente, sobre a nossa passagem pela Guiné.
Isto, a propósito de algumas expressões menos felizes , utilizadas por um senhor oficial superior, que terá apelidado alguns portugueses que prestaram, como nós, o seu serviço militar algures no interior da Guiné-Bissau, de ”bandos cercados por arame farpado”.
Então, aqui vai o primeiro:



Fui mobilizado para a Guiné em 1966, incorporado no Pelotão de Cavalaria A.M.L. 1106. O primeiro de auto-metralhadoras Panhard, a ser constituído após a compra destes carros à França.
Tínhamos como missão principal escoltar todas as colunas militares que estabeleciam as ligações de Bula para Có – Pelundo - Teixeira Pinto - Bachil – Cacheu e Binar – Biambi e outras. Isto é, a partir de Bula, onde estávamos aquartelados, fazíamos segurança e escolta a todas as colunas que seguiam para estes locais onde, numa fase inicial, ficavam acampados e depois iniciavam a construção dos aquartelamentos.


É evidente, que os militares que se encontravam nos acampamentos, não tinham as condições dos que estavam nos aquartelamentos. Só Deus sabe … claro que, se às vezes nem água tinham para beber, quanto mais para tomar banho.
Seria pelo mau aspecto que aparentavam fisicamente, devido às condições sub-humanas a que estavam sujeitos, que foram confundidos com bandos, não obstante, serem flagelados quase permanentemente por fogo inimigo.
Em meados de 1967, quando seguíamos numa coluna militar a caminho de Binar, fomos atacados. Logo nos apercebemos que o fogo vinha do lado esquerdo e, como por acaso desse lado o terreno estava capinado, avançámos naquela direcção com os dois carros de combate Panhard, ao mesmo tempo que eram efectuadas algumas rajadas e morteiradas dado que cada carro, para além de duas metralhadoras, tem também um canhão de tiro directo.
A emboscada foi silenciada rapidamente, não tendo havido, felizmente, qualquer baixa ou, até, qualquer ferido.
Regressámos à picada e prosseguimos até ao objectivo, o aquartelamento de Binar, não sem antes termos ficado surpreendidos pela presença, nada habitual , de um pequeno avião que sobrevoava aquele local. Tratava-se de uma “DO”- Dornier militar.
Ao chegar a Binar logo verificámos que esta pequena aeronave ali se encontrava, rodeada por diversos oficiais e fomos avisados que um senhor oficial do CTIG queria falar com quem vinha nas Panhards.

Primeira saída para o Biambe - a organização da coluna

Dirigi-me ao seu encontro, ainda hoje não sei se era coronel ou brigadeiro, pois não me lembro de ter visto os galões ou as estrelas. Só me recordo que, quando me aproximei dele perguntou-me, de imediato, se sabia quanto custava uma Panhard ao exército português . Perante a minha estupefacção, ele respondeu à sua própria pergunta: -“ custa 1500 contos” e prosseguiu “o senhor já viu o prejuízo que podia causar ao sair da estrada?”.
Ainda ripostei, tentando dizer-lhe que as viaturas imóveis eram alvos fáceis, tal como se aprende na recruta e é dos “books”, mas ele não se conteve e, perante a minha reacção, ainda me ameaçou com prisão se não me calasse.
Valeu a intervenção de um outro oficial que me pediu para ter calma após eu ter retorquido que pensava que estávamos numa guerra a sério e que a nossa missão ser a de tentar proteger a coluna da melhor maneira.
Mas o caricato deste episódio, não termina aqui.
Passados uns dias, um oficial, da sala de operações de Bula, afirmou-me que afinal a nossa reacção à emboscada no percurso para Binar tinha sido um êxito, pois fora publicado em O.S. do CTIG um louvor à escolta, dado que, naquela altura, estaria a decorrer uma operação dos “especiais” naquele local (Daí a presença daqueles oficiais em Binar e de termos sido sobrevoados pelo DO) e, estes, após a emboscada encontraram no local da mesma muitas armas abandonadas, no local da mesma , pelo inimigo face à nossa reacção.
É assim a guerra, ou melhor, o paradoxo das atitudes de alguns oficiais. Às vezes, acabava por se gerar um mundo de reacções contraditórias que quase nos levavam à revolta, pela obscuridade de interesses que escondiam e que não percebíamos.
Voltando à motivação pela qual estou escrevendo,

Minutos depois estávamos a sofrer uma emboscada

ainda hoje não consigo interpretar correctamente as palavras recentes de um Sr. General que também prestou serviço na Guiné como nós, quando numa entrevista afirmou que no teatro das operações havia soldados que se portavam como bandos cercados por arame farpado.
Ora aqui está mais uma contradição. 40 anos depois…Bandoleiros cercados por arame farpado, sim, porque se fossem bandos estariam em movimento. A palavra bando sugere acção e não imobilidade como era o caso. Isto é, eram, a qualquer momento, alvos permanentes, o que não acontecia aos “especiais”.
Nesta conformidade e pela afirmação do sr. General, não é difícil concluir, que “ bandos cercados por arame” … seriam bandoleiros em “ cumprimento de pena”… por terem estado, com aquele sacrifício, a contribuir para o “prestígio” alcançado por alguns oficiais “superiores”.
Também pode haver uma outra interpretação, terá sido porque esses soldados não eram “especiais” e, nestas condições, jamais poderiam aspirar a ser tratados com a mesma dignidade, que leva a que, 40 anos depois, haja promoções com o objectivo de melhorar a sua reforma, melhor dizendo, choruda reforma, como aquela que, segundo consta, vai ser atribuída a um oficial, também “especial”, 20 anos depois da sua aposentação?

Mais palavras… para quê!?..

A.Marques Barbosa

3 comentários:

  1. Ó A. Marques Barbosa, o A. Marques Lopes pede-te que leves na próxima 4.ª feira as fotografias que o Norberto te pediu para eu as poder digitalizar. OK?

    ResponderEliminar
  2. Sem duvidas, mais palavras para quê.Nós somos perante os Governos sucessivos após o 25 de Abril e algumas das altas patentes militares,uns cawboys de pouco, ou nemhum valor.Lá virá o tempo em que outros nos darão valor.

    ResponderEliminar
  3. AMABAR, tu me saíste cá um escritor de estórias em grande. Explica-me só como cabias dentro de uma Panhard. Quer dizer, tu e o resto da guarnição. Pois é amigo, enquanto uns andam a mamar, como diz o Caravalho, outros andam a penar. E o Valentim ainda acredita no futuro. Só se for noutra encarnação realmente, porque nesta, não existiu nada de digno de nota, a não ser Generais do ar condicionado.

    ResponderEliminar