No dia 6 de Abril tínhamos combinado encontrar-nos numa cave da Praceta Santos Andrea, em Benfica, para vermos a formação de uma cooperativa, "A Forja", lembrando Alves Redol. Já tínhamos formado outra, a "Esteiros", na Rua Braancamp, recordando apaixonadamente Soeiro Pereira Gomes. Mas eu disse aos meus amigos desculpem lá, a minha mulher (a ex) faz anos hoje e acho que devo ir o cinema com ela. E não fui à Praceta Santos Andrea. Mas foi lá a PIDE e prendeu-os a todos. Fiquei com problemas, como devem calcular, eu fui o suspeito número um. Mas isto foi esclarecido. Dias antes tinha vindo com um amigo no metro até Sete Rios e vi, depois, que me tinham desaparecido os anotamentos-base para a formação da nova cooperativa. Soube, já depois do 25 de Abril, que ele se tinha tornado informador da PIDE quando esteve na prisão e depois de ter sido torturado. É complicado, não digo o nome. Mas na altura apontou-se um outro como "bufo". Sei quem é mas também não digo o nome. Tudo passou, e bem. Após o 25 de Abril os meus amigos sairam em liberdade.
Dias antes, após uma reunião na casa do meu amigo Jorge Aguiar (onde páras, que nunca mais soube de ti? e onde anda o teu irmão que, na altura, se ligou às Brigadas Vermelhas?...) na Praceta Santos Andrea, num andar por cima daquele onde morava o Vital Moreira, tínhamos um documento contra a guerra colonial. Lembro-me, agora, das vezes em que eu e o António Monteiro (actual porta-voz da TAP), meu amigo e vizinho na Rua Nina Marques Pereira, quase que fomos apanhados a fazer pichagens contra a guerra em Benfica e em Belém! Mas, voltando àquela reunião na casa do Jorge Aguiar, depois dela decidimos ir ao "Edmundo", uma cervejaria na Avenida Gomes Pereira. Estávamos na maior, mas a Annie, a mulher do Jorge Aguiar, uma francesa reguila, convenceu-o a iniciar a distribuição. E foram os dois pela Avenida Gomes Pereira acima. Passados tempos, estávamos a beber uns canecos e a comer uns camarões na esplanada, vimos passar dois carros da polícia, num deles estava o nosso casal lá dentro. Tinham sido apanhados.
Tínhamos connosco o amigo advogado Ortigão e arrancámos para a António Maria Cardoso. Lá, a Annie, mulher do caraças, sabia português mas gritava "je suis française! je veux l'Embassade Française!" Tiveram que a libertar. Mas o Jorge Aguiar ficou lá: "Temos que ver...".
Lembro-me de mais: uma noite também houve distribuição em caixas do correio no Lumiar. Mas um guarda-nocturno (o Camões, disseram-me o nome depois, e nunca mais me esqueci, naturalmente) começou a disparar e tivemos que fugir, é claro.
E, em Dezembro de 1973, já não me lembro o dia exacto, juntámo-nos no Marquês de Pombal uns 10 ou 20, também já não sei bem, e descemos a Avenida da Liberdade a gritar "abaixo a guerra colonial!" Espanto naquela avenida! Mas só chegámos até perto do Parque Mayer. Apareceu a Polícia de Choque vinda da Praça das Flores e começou a distribuir porrada. O José Luís Judas, lembro-me dele, e outros fugiram para o Parque Mayer e puseram-se a jogar matraquilhos. Eu, o António Monteiro e o Muradali Mamadussen (foi adjunto do Samora Machel e morreu com ele no desastre - ? - de avião) enfiámo-nos na cevejaria Ribadouro. O Muradali abancou logo à entrada numa mesa onde estava um casal de turistas. A Polícia de Choque passou por ele e foi-me sacar a mim e ao António Monteiro que nos encostáramos ao balcão. Agarrou-nos pelos cabelos (estavam compridos, era a moda) e arrastou-nos até à saída. Mas, ainda agora estou para saber porquê, houve alguém que disse "deixa lá", largaram-nos e foram a correr para outro lado.
Durante a (imitação de) campanha eleitoral em Outubro desse 1973 viemos em grupo desde Sete Rios a distribuir propaganda. Fomos por toda a Estrada de Benfica até à igreja, sempre com dois carros da polícia atrás de nós. Longa caminhada! Prenderam-nos ao pé da igreja e levaram-nos para a esquadra. Lembro-me das intervenções do José Luís Judas e do nosso amigo advogado, o Ortigão. Libertaram-nos.
Gostava que os amigos que referi falassem. Não os vejo há muito tempo. Sentimos aceitação popular nisto tudo, sentimos que não se queria mais guerra, sentimos que o 25 de Abril estava próximo.
Em "Matosinhos" o dia 25 de Abril, como dia da LIBERDADE que foi,nao está esquecido;e ainda bem! A procura imediata de muitas forcas políticas( de todos os quadrantes)de utilizarem o seu nome,faz esquecer a alguns que este dia representa a Liberdade para TODOS,tanto portugueses como africanos, e que a única divisao que o dia 25 de Abril de 1974 entao provocou,foi entre os defensores da LIBERDADE e....os outros! Um grande abraco amigo.
ResponderEliminarCaro Marques Lopes
ResponderEliminarSó agora li o teu relato de memória e homenagem ao 25 de Abril, através da evocação de tempos e atitudes passadas antes e que de facto também potenciaram esse acontecimento.
Algumas das coisas que referes são-me familiares. Noutros locais, noutras circunstâncias, mas idênticas...
É a vida!
Abraço
Hélder S.
Estávamos na Guiné em 1974.Em 1973, quando o Spínola veio para Portugal e fez publicar o Portugal e o Futuro, tive(mos) quase todos a percepção da eminência da revolta ou revolução.Depois daquele livro escrito por alguém com crédito no sector moderado e com a ideia clara da inutilidade da guerra, o impossível era ficar tudo na mesma. Claro que o livro é o eco escrito de uma situação de desespero que se vivia na Guiné.Sabe-se bem como são estas coisas: aquele livro assinado por mim valia zero, assinado pelo homem do monóculo produziu o mesmo efeito que sopro sobre fogueira. Tenho para mim que a fogueira foi-se formando com situações como aquela que o Salgueiro Maia presenciou em Guidage.
ResponderEliminarFinalmente queria dizer que, para
mim,a maior conquista do 25 de Abril não foi a democracia pois esta chegaria pelo fluir natural
da história como surgiu em Espanha sem que houvesse qualquer revolução.Nós que estávamos lá naquele inferno sentimos que a guerra ía acabar, inevitavelmente, dentro de dias ou semanas e o fim da guerra foi, atrevo-me a dizer,
para nós, a conquista mais importante do 25 de Abril.É que
aqui em Portugal libertaram umas centenas de presos políticos mas na Guiné Angola e Moçambique terminou a cadeia para muitos milhares de jovens.
De acordo. É verdade que a guerra tinha de acabar na Guiné, nem que viéssemos a correr com as calças na mão, como os americanos no Vietnam. Por isso, os militares conjurados já tinham decidido que, se não desse na metropole, era na Guiné que se daria a sublevação. Mas também é verdade que as acções de contestação à guerra, quer em Lisboa, quer noutros locais, como bem refere o Helder Valério, criaram as condições para a aceitação popular da forma entusiástica que se viu. E os capitães de Abril sabiam disso. E o seu movimento, já ultrapassada a inicial reivindicação corporativa, apontava para uma democracia avançada, mais avançada, patente nas críticas expressas na "mensagem" da A25A.
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