Ao Fernando Pessoa, poeta de Portugal
Terra negra que tremes em convulsões de parto,
Terra negra que a guerra devasta,
Terra negra que os ódios revolvem,
Terra negra que o Luar acaricia.
Oh terra negra da minha infância,
onde uma negra ama me aleitou
com cuidados maternais
e um amor que vinha do íntimo dos séculos.
Oh terra negra da minha infância,
onde brinquei com meus irmãos negros,
onde nadei no rio com meus irmãos negros,
onde cresci de mãos dadas com meus irmãos negros.
Oh terra negra dos mais saborosos frutos do mundo;
do ananás, do caju, da papaia, do mango;
oh terra negra dos maravilhosos contos infantis
que a minha negra ama me contava para adormecer.
Ali, naquela enorme árvore, estava o irã,
terrível espírito da floresta que metia medo aos meninos
e nos fazia fugir para longe.
Mais para lá, era o poilão de Santa Luzia
que vomitava fogo quando a santa queria orações;
era o terreiro onde o cumpô dançava
e os meninos se extasiavam,
era a cova do lagarto onde ninguém ia,
era a mata do fanado
com seus mistérios terríveis.
Era a minha vida,
a vida dos homens simples
que amavam os seus semelhantes
e veneravam os velhos.
Agora, oh terra verde e vermelha da Guiné,
só te peço que todas as noites
deixes baixar sobre meu coração
o silêncio que cura os males da alma
e que, quando os dias nascerem húmidos e tenros
como o barro das das bolanhas,
deixes o meu corpo receber esse fogo matinal
que foi o meu primeiro baptismo
e te peço seja a minha absolvição.
Artur Augusto Silva nasceu na Ilha da Brava, a 14 de Outubro de 1912. Ainda estudante foi Director da revista "Momento", réplica lisboeta da coimbrã "Presença", onde se propunha com outros literatos jovens abrir uma "Tribuna Livre" em que livremente se discutisse e todos pudessem falar. (...)
Licenciou-se em Direito em 1938. Em 1939 partiu para Angola, onde trabalhou como Secretário do Governador Geral. De 1941 a 1949 exerceu advocacia em Lisboa, em Alcobaça e em Porto de Mós. Em 1949 partiu para a Guiné onde foi advogado, notário e substituto do Delegado do Procurador da República.
Foi também membro do Centro de Estudos da Guiné, juntamente com Amílcar Cabral, de quem era grande amigo. Visitou vários países africanos, recolhendo elementos que mais tarde lhe serviriam para escrever, entre outros livros, "Os Usos e Costumes Jurídicos dos Fulas".
Um dos seus comprometimentos cívicos em que mais se empenhou consistiu em defender presos políticos.Foi defensor em 61 julgamentos, um deles com 23 réus, tendo tido apenas duas condenações.
Em 1966, já em plena luta de libertação da Guiné, foi preso pela PIDE no aeroporto de Lisboa. Meses mais tarde, por intervenção de Marcelo Caetano e de outros responsáveis políticos, que embora discordassem da suas ideias políticas o admiravam como homem de carácter, foi libertado, mas proibiram-lhe que regressasse à Guiné, sendo-lhe fixada residência em Lisboa.
Em 1967, Marcelo Caetano convidou-o para ir trabalhar como advogado da Companhia de Seguros Bonança. Também Adriano Moreira o convidou para leccionar no Instituto de Ciências Ultramarinas, o que ele recusou, fazendo ver ao portador do convite a incoerência de o terem prendido pelas suas ideias sobre o colonialismo português e depois o convidarem para leccionr matérias relacionadas com África.
Em 1976, de visita à Guiné-Bissau, foi convidado pelo então presidente Luís Cabral para trabalhar como juiz do Supremo Tribunal de Justiça. Também leccionou Direito Consuetudinário na Escola de Direito de Bissau.
Faleceu em Bissau a 11 de Julho de 1983.
(In http://www.triplov.com/guinea_bissau/)
Caroa amigos e camaradas
ResponderEliminarGostei bastante do poema.
É quase como uma oração.
É também uma descrição do passado vivido mas ao mesmo tempo uma proposta de futuro.
A referência a elementos conhecidos, as frutas, o irã, Santa Luzia, a terra vermelha e verde, os rios, etc, ajudam bastante a integrar o leitor conhecedor.
Também a resenha curricular do autor me pareceu interessante, revelando uma integridade de carácter que já vai sendo rara.
Um abraço
Hélder S.