sábado, 18 de setembro de 2010

P488-O caçador e o crocodilo


É um conto guineense que se encontra no livro "O crioulo da Guiné-Bissau, Filosofia e Sabedoria", de Benjamim Pinto Bull. Esta imagem é de um desenho de Cathie Peyredieu Pinto Bull e está no livro ilustrando o conto. Vai em crioulo e e português, como está lá, para relembrar aqueles falares. Parece-me esta "storia" uma dúvida da filosofia africana sobre o conceito moral do "fazer bem sem olhar a quem", além de um alerta para o cuidado a ter com as "feras" que, apesar das falinhas mansas, sempre devoram tudo, pois é o que lhes está na natureza e na sua tradição. Além de uma recomendação para a atenção a ter com aqueles que connosco conviveram e nos foram úteis na vida, para não provocar a vingança dos defraudados e abandonados. E que as soluções podem vir dos mais simples, mais indefesos e mais pequenos no meio da “floresta”.
O caçador e o crocodilo (Montiadur ku lagartu)
Um caçador foi à caça; deparou-se com um crocodilo, que também estava à espera de uma vítima. Quis o caçador matá-lo, porém o crocodilo suplicou-lhe para lhe não tirar a vida, dizendo (Montiadur sai pa ba montia, i ba oca lagartu tambe sai montia; i misti fugial, kil pidil):
- Vim cá simplesmente à procura de qualquer coisa para matar a fome. Não encontro o caminho do regresso. Leva-me, por favor, até à margem do rio (Ten pasensa, ka bu matan; n bi nã sõ buska kumida. N bin iara ku kamiñu di riba; ten pasensa, leban roda di riu).
Respondeu-lhe o caçador(Montiadur falal):
- Eu bem queria levar-te, porém receio que me comas (N misti lebau, ma n ka osa, bu ta Bin kumen).
- Juro que não te como (Kil juramenta kuma i ka ta kumel).
Propôs-lhe então o caçador (Montiadur falal):
- A não ser que te amarre a boca (Sõ si n marau boka).
Atalhou o outro (Kil falal):
- Amarra-me a boca (Maran boka).
O caçador amarrou-lhe a boca com uma corda, em seguida, ligou-lhe todo o corpo a um pau, e levou-o às costas até à margem do rio. Chegados ao destino, o caçador quis pô-lo no chão; o crocodilo pediu-lhe (Montiadur maral boka ku korda, i maral kurpu na po, i kargal pa lebal riu. Oca ke ciga na roda di riu, montiadur misti disil. Lagartu pidil):
- Leva-me para mais longe (Leban ma lunju).
O caçador entrou na água até aos joelhos. Suplicou-lhe o crocodilo de novo (Kil lebal tena kau k’ iagu ta cigal na juju. I misti disil, kil falal):
- Leva-me ainda um pouco mais longe (Leban ma lunju, tem pasensa).
O caçador aceitou. Disse-lhe então o crocodilo (I lebal ma linju, i disil. Lagartu rabida i falal):
- Desamarra-me a boca, caso contrário não poderei comer (Dismaran boka si ka sin n ka ta pudi kume).
Assim que o caçador lhe desamarrou a boca, o crocodilo disse-lhe (Montiadur ka dismaral boka, lagartu falal):
- Prestaste-me, é certo, um serviço, mas agora tenho que te comer, única e exclusivamente para respeitar a nossa tradição; os meus pais comiam todos os homens quantos encontravam pelo caminho (Bu judan me, ma gosi n na kumeu suma k’ ña pape, ku ña donas ta fasi ba pekadurus ke ta paña ba).
Foi a vez do caçador de pedir com insistência para não ser comido. O crocodilo rejeitou categoricamente tal pedido. O caçador fez-lhe então a seguinte proposta (Montiadur falal):
- Estou inteiramente de acordo que me comas, mas proponho que previamente peçamos parecer de três transeuntes (N seta pa bu kumen, ma purmeru no tem k’ punta tris limarias k’ na bin pasa li: ken ke tem rasõ?).
Um cavalo velho foi o primeiro a passar por lá. Cada um lhe contou a aventura a seu modo. Escutou com muita atenção as duas versões, depois dirigiu-se para o crocodilo (Purmeru limaria k’ pasa i un cabalu beju. Kada ki kontal storis di si manera. Lebri Kabalu obi tudu i kaba i fala lagartu):
- Come-o como é vosso hábito. O homem é muito ingrato; quando eu era novo, com todo o vigor, cuidava bem de mim. Agora faz de conta que não me conhece (Kumel, suma k’ bo kustuma ta fasi.. Pekadur ngratu di mas; ocan nobu ku forsa, i ta jubin ba diritu, gosi i ta fasi suma i ka kunsin).
Apareceu depois uma velha; ela ouviu as duas versões da mesma aventura, e disse logo ao crocodilo (Beja Bin na pasa; i obi storia tudu, i fala lagartu):
- Come-o; os homens são todos ingratos. Quando jovem e bela, o meu marido jurou-me que só haveria de me amar a mim. Agora casou com raparigas novas, e nem sequer olha para mim. Come-o, segundo as vossas tradições (Kumel; pekadurus tudu e ngratu; ocan nobu, n bunitu ba; ña omi jurmenta ba kuma ami sõ ki na kiri. Gosi i toma minjeris nobu; i ka ta jubin mas. Kumel suma k’ bo kustuma ta fasi).
O caçador estava desesperado, não vislumbrando nenhuma solução favorável à sua situação. Chegou a lebre; cada um lhe expôs a aventura a seu modo. A lebre disse (Montiadur foronta, i ka sibi ke ki na fasi. Lebri bin na pasa, kada ki kontal si storia. Lebri fala elis):
- Estais muito longe, disse-lhes a lebre; já estou velha e oiço muito mal. Vinde, pois, aqui à margem, para que eu vos oiça melhor (Bo sta lunju di mas; n beju gosi, ña oreja ka stan diritu; bo Bin li na roda di riu pa n obi bo storia).
Ambos saíram da água e chegaram perto da lebre a quem contaram de novo tudo. Disse-lhes a lebre (E sai, e ciga na roda di riu, e kontal tudu. Lebri fala elis):
- Custa-me acreditar. Como é que este homenzinho pôde carregar com um gigante como tu? Para dar o meu parecer é preciso eu ver com os meus olhos quanto estais a contar-me. Portanto, regressai à floresta; que o caçador te amarre de novo e traga até aqui (N ka fia e bo storia, n ka fia kuma es omi pikininu sin, pudi kargau, suma bu garandi sin. Sõ si n oja ku ña uju kuma kusasedu; sõ si bo riba na matu, montiadur marau mas, i kargau, i tisi).
O crocodilo e o caçador aceitaram. Quando chegaram à floresta, a lebre disse ao caçador para amarrar melhor o crocodilo e perguntou-lhe (Lagartu ku montiadur seta. Oca ke ciga na matu, lebri fala montiadur pa Mara lagartu mas inda; i puntal):
- A vossa casta não come crocodilo (Abos, na bo rasa o ka ta kuma lagartu)?
O caçador respondeu (Montiadur falal):
- Claro que comemos (No ta kumel)..
A lebre disse-lhe (Kil falal):
- Salvaste-lhe a vida, e ele quis comer-te; agora, leva-o para casa e comei-o em família; tu a tua mulher e os teus filhos (Bu salbal, i misti kumeu; gosi lebal kasa, bo kumel ku bu minjer, ku bu fijus).

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