sexta-feira, 6 de novembro de 2009

P265-O ORGULHO DE PERTENCER À TABANCA DE MATOSINHOS

Aqueles que passam por nós,
Não vão sós, não nos deixam sós.
Deixam um pouco de si,
L
evam um pouco de nós

Antoine Saint-Exupéry




A Tabanca de Matosinhos tem sido desde meados de 2005 um ponto de encontro de centenas de antigos combatentes da Guiné. O poema que Saint-Exupéry escreveu reflecte a meu ver, muito bem, a razão de ser deste encontro semanal, que nas últimas trinta e sete semanas, como apurou o Álvaro Basto, juntou 255 convivas.
Na verdade, todas as semanas aparece gente nova. Uns ficam, outros voltam quando a vida lhes permite, alguns poucos, sobretudo os de mais longe partem com a promessa e vontade de voltarem.
E de facto não vão sós. Pois deixaram um pouco de si e levam um pouco de nós
Interrogo-me muitas vezes do porquê desta relação de pessoas que não se conheciam e que logo após o primeiro contacto, parecem ser amigos de longa data.
Quebra-se o tabu da linguagem, localiza-se rapidamente os lugares por onde passaram. Lugares que tantos de nós conhecemos.
Apenas uns minutos e parece que já nos conhecemos de longa data. Quantas vezes descobrimos que as nossas vidas se cruzaram, entrecruzaram. Foi no COM ou no CSM. Foi na recruta, ou no Quartel. Tivemos como comandante o Capitão xpto. Um “gajo” porreiro ou um bom FP. Um Major que era um castiço e só queria copos, ou o outro que andava sempre a ver se podia “lixar” alguém.
E lá na Guiné! Lembras-te da Binta, a lavadeira. Eh pá essa já tinha filhos, quando lá cheguei !
Pois. . . mas no meu tempo, não queiras saber !... e o almoço começa a ser servido.....intervalo, claro que o rancho está primeiro......As histórias continuam dentro de momentos....
Surgem num ápice as recordações dos momentos difíceis que a guerra trouxe a cada um de nós, agora que a boa pinga do Zé Manel aqueceu as gargantas e o estômago começa a estar refeito, com as saborosas sardinhas que nunca faltam na mesa, ou outro petisco a gosto de cada um.
Não são lenga lengas para entreter, para “matar” o tempo, enquanto degustamos o almoço. São partes das nossas vidas, postas em comum. Espaços do nosso tempo que se foi, mas que continua religiosamente bem guardado, cá dentro. Surgem as histórias tão iguais e tão diferentes, que cada um tem para contar, muitas vezes abafadas ou escondidas no sótão, já envelhecido, do subconsciente.
Quantas vezes até, estivemos lá, no mesmo sítio, a outra hora num outro dia, num outro tempo. Trilhamos os mesmos caminhos. Tivemos como companheiros de luta, os mesmos soldados nativos.
Quando passadas duas ou três horas, saímos do restaurante com o estômago mais “pesado”, partimos para nossas casas, mais leves, porque partilhamos algo de nós com aquela gente, aquele grupo de “gajos”, mais ou menos da nossa idade, que nem conhecíamos. Deles recebemos exactamente o mesmo, um pouco de si. As suas vivências durante o tempo de guerra, que do mesmo modo os marcaram para a vida toda, tanto quanto as nossas vivências.

Desiludam-se os que pensam na Tabanca de Matosinhos, como um espaço de “enche barriga e bebe uns copos”.
Zé Teixeira

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