No domingo passado eu e o Pimentel fomos até Lisboa. Estivemos em casa de uma amiga dele. Falámos, falámos, contámos, contámos... Eu contei uma coisa que alguns já saberão, mas quem não souber pode ler aqui http://blogueforanada.blogspot.com/2005/11/guin-6374-cccxx-professora-de-samba.html
E essa amiga disse que, a propósito, ia fazer um poema. Já o enviou, a mim e ao Pimentel. Perguntei-lhe se o podia dar a ler na Tabanca de Matosinhos e ela disse que sim. É este:
Um vaso de Flores
Para ser homem
Enrolei sílabas clandestinas
Embandeirei sonhos em sobressalto
Entrincheirei o vento na raiz do sangue
Semeei a semente derradeira
E não encontrei pétalas.
Abri cada minuto do meu tempo
Ocultando palavras em campos minados
E desocupei silêncios sem disfarce de temor.
Para ser homem
Esventrei savanas numa geografia de luta
Esfumei revoltas em bares
Num gesto escravo de emaranhadas teias.
Adiei a vida vezes sem conta
Instalei residência em terras em chama
E com os pés nus,
Na esperança de descobrir mistérios indecifráveis,
Entre a esperança e o desejo
Fui escavando o carvão da resistência.
Um dia, aproximei-me do abismo
E num minuto sem sabor a nada,
Num idioma de rosto ferido
Ficámos olhos nos olhos
Separados por um vaso de flores.
Era a hora dos sonhos enlutados
A escorrer de um sonho de menina
A morte encarava os corredores do infinito.
Num vaso de flores encontrei a dimensão da Vida
Tapei o firmamento da minha pátria
Encostei-me a um luar sem luz
E acrescentei o meu desassossego
Antes que a escuridão me avassalasse.
As flores não murcharam no vaso
E do seu rosto não saiu a minha madrugada
A seiva ficou no chão
Numa funda transparência de vertigem.
Eu, homem, descobri que a morte também beija
E que ser homem cava séculos de silêncios e de cinzas.
Clara Roque Esteves
Excepcional!
ResponderEliminarHélder S.
Ola Marques:
ResponderEliminarEntão, meus Parabéns; pela Magnífica, e Brilhante poesia; realmente ela sabe sabe,
Valeu...
Abracos...