sábado, 29 de novembro de 2008

P019-Antes da Guerra-o menino da cidade

Pois seguindo o exemplo do Marques Lopes, aqui vão algumas confidências sobre a minha vida antes da Guerra, especialmente algumas vertentes mais curiosas que, olhando agora para o baú das fotos antigas, me vêm à memória.

Ao contrário do Marques Lopes eu sou um produto genuinamente citadino, nascido e crescido em pleno Porto.
Tive como palco de brincadeiras sobretudo uma rua, a de Carvalho Araújo, onde os habitantes alternavam entre a média burguesia e a gente pobre das "ilhas".
Também havia gente muito rica, desmesuradamente rica, que morava num quarteirão inteiro lá no fim da rua, já na Rua Luz Soriano a chegar ao jardim da Arca d'Água.
Viviam em palácios enormes cercados de jardins e altos muros que eu via lá ao longe da janela da minha cozinha.
Eram os Braguinhas.....
Havia todo um mistério sobre essa gente que vivia praticamente isolada do resto da população e pode dizer-se que cresci a imaginar como seria viver assim com luxuosos automóveis pretos com motorista e rodeado de criadagem fiel, onde tudo provavelmente era automatizado, havendo com toda a certeza... botões para tudo....
Depois havia o Jardim da Arca d'Água, outro dos palcos da minha formação social... era enorme (engraçado, hoje parece-me pequeno) tinha árvores altíssimas em cima das quais, a dada altura e para fugir à "bófia" passei largas horas encarrapitado.
E depois, havia a gruta, esse local mágico, uma gruta artificial junto ao lago (onde cheguei a tomar banho e a seguir levar um enxerto de porrada da minha mãe por aparecer em casa todo sujo de lodo). A gruta tinha dois acessos laterais, com bancos de cimento embutidos na terra, à boa maneira romântica, que eram muito frequentados por namorados. Quantos "coquei" eu, escondido atrás dos arbustos circundantes e quantas vezes eu próprio me sentei neles para mergulhar nos braços de Afrodite com alguma namoradita...
Desde muito cedo se manifestou em mim uma vocação para a música. ...Oh rapaz, tens ouvido,... diziam-me lá por casa quando me viram dedilhar o Coimbra do Choupal em duas cordas de viola aparafusadas a um velho barrote de madeira.











No final desse ano lectivo e como prenda de ter passado de ano, deram-me uma viola comprada em segunda mão num adeleiro da Rua dos Mártires da Liberdade que era uma delícia. Toda cravejada de madeira embutida e madre-pérola, uma jóia.
O tampo posterior estava rachado mas nem se notava. E comprei um manual do tipo aprenda a tocar viola em 10 lições. Foi tocar até ficar com os dedos cheios de bolhas. Depois foram ganhando calo e aprendi tudo quanto era balada do Zeca Afonso e do Adriano.
Infelizmente no ano seguinte chumbei (outra vez) e no meio das lições de moral e das ameaças de que me poriam a trabalhar de trolha, num acesso de cólera mais descontrolado, o meu pai deu um chuto na viola ela desfez-se em pedaços angulosos. Ficou-lhe o remorso confessado, até hoje, e não tardou que à primeira boa nota num ponto de Ciências Naturais, me deu autorização para comprar uma viola, desta vez, nova, na casa Ruvina (que já não existe) ali na rua Formosa.
Deixo aqui algumas fotos, a primeira num dos acessos à gruta do Jardim da Arca d'Água onde se vê um dos bancos tão cobiçados pelos namorados, outra numa das suas lindas veredas onde se vê um dos acessos à gruta e finalmente uma de 1959, tinha eu 10 anos, numa festa de casamento, a debater-me com as "vassouras" numa bateria - que as "baquetes" eram proibidas, podiam furar a "caixa"...
Bom meus caros... agora é a vossa vez.. revelem-se...
Um abraço a todos

Álvaro Basto

1 comentário:

  1. Li com muita atenção o que escreveste e surpreendeu-me a forma sentida, quase emocionada, com que contas episódios da tua infância...Muito giro!! Fez-me sentir saudades da "casa velha" e das brincadeiras no jardim da Arca d'Água, menos aventureiras que as tuas é certo, mas também achava que as árvores eram gigantes...Beijinhos Pai

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