quinta-feira, 27 de novembro de 2008

P017-Antes da guerra (2)


Alguém insinuou, ontem, que eu estava babado a ver aquelas coisas porcas que vêm nos anúncios do "Correio da Manhã" (se calhar estou a exagerar, porque, pelas fotografias, até tinham bom aspecto...). Mas já devem ter calculado, pelo que disse ontem, que eu tive uma formação exemplar. Por isso, vade retro, Satanas, e mostro-vos a cândida criança que eu era, protector desta cachorrinha, quando estava no Penedo Gordo.
Terra saudosa.
Brinquei muitas vezes aos médicos e enfermeiras com uma prima afastada, a Maria Jesuína Carrilho (é agora só Maria Carrilho, porque o Jesuína não deve dar muito geito), cujo pai tinha uma venda à saída da terra, perto da estrada para Beja. Já estava na Guiné, encontrei-o um dia quando passei por Bissau. Espantei-me, é claro, de o ver ali. Explicou-me que largara a venda, que se dedicara à construção civil, que tinha vindo a Bissau porque o Governo lhe encomendara uma obra para lá. Nem lhe perguntei qual, pois não andava nada preocupado com as obras do Governo em Bissau. Havia outras obras que me preocupavam... Mas, claro, perguntei e a Maria Jesuína? Ah, ela andava na universidade em Lisboa mas chateou-se e foi para Itália, trabalha lá e estuda Sociologia. Pedi-lhe a morada dela. Passado tempo, enviei-lhe uma carta lá da Guiné, contando coisas da guerra e com algumas fotografias. Não me respondeu. Não sei se a recebeu ou se ficou retida nalguma censura. O facto é que não embrulhou e não mandou para o meu SPM.
E o meu avô, mestre Salustiano, o sapateiro da aldeia, contava-me muitas histórias, por exemplo a lenda da Fonte das Cavadas, que era a luta entre uma serpente e um touro por causa da água, e levava-me a ver a vila romana de Pisões.
Assisti a praças de jorna, onde os moirais arregimentavam quem lhes interessava para os trabalhos nos campos, e vi as raivas dos que ficavam sem trabalho. E conheci o Mudo, que era mesmo mudo, sim, senhor, porque levou um tiro no pescoço quando fugia de um GNR que o apanhou numa herdade a roubar bolotas aos porcos.
Mas nunca me hei-de esquecer duma festa chamada o "Enterro do Bacalhau". Além das mornas alentejanas, o que me dava mais gozo era a procissão (chamo-lhe eu) que se fazia na rua principal da aldeia. Todos pela rua, levando às costas uma padiola com um voluntário em cima todo nu ou em cuecas, já não me lembro bem, e o pessoal todo nesta ladainha sempre repetida: réu, réu, quem tem picha vai pró céu, quem não tem vai tamém. Era o gozo da miudagem. A.MarquesLopes

1 comentário:

  1. Comandante:
    Se te referes a mim quanto a insinuações da "baba" sobre os anúncios do Correio da Manhã, acredita que nao insinuei mesmo nada.
    Limitei-me a fazer uma reportagem fotográfica e a roubar uma das folhas.
    O resto (?)do jornal dei-o nao sei a quem, que me disse: Tira esta m...a daqui se nao a minha mulher f...-me a cabeça.
    Como vês, caro Lopes, sou simples e oportunista. Nada mais.
    Agora a sério, é um prazer ler os teus textos.
    Um abraço de amizade

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