CRÓNICAS DAS MINHAS VIAGENS À GUINÉ-BISSAU
A PRIMEIRA VIAGEM – 1998
6 – BUBAQUE (BIJAGÓS), A OUTRA GUINÉ…… COM SABOR A FÉRIAS
Depois do pequeno-almoço no Capé (Bafatá), partimos para Bissau a tempo do almoço no Restaurante Asa Branca, propriedade de um alentejano, bem no centro da cidade. Partilhamos o repasto na companhia do nosso amigo Candé, que nos iria acompanhar depois até ao aeroporto para um voo com destino a Bubaque. Esta parte final da nossa presença na Guiné, com um cheirinho a férias, foi o preço que tive que pagar para as senhoras me acompanharam nesta viagem. Mas, convenhamos que, depois de uns dias tórridos na zona centro/leste do país, impunha-se um pequeno período de relaxe, de usufruto da natureza e do convívio com alguns dos aspectos da cultura deste povo animista, muito conhecido pelas suas esculturas, quase sempre referidas na literatura especializada no estudo das origens desta antiga arte Africana.
Alguns episódios, completamente inesperados e que rodearam esta viagem até Bubaque, iriam transformar-se nos momentos mais agitados de toda a nossa estadia na Guiné. Desde momentos bizarros e rocambolescos, até ao receio pela nossa segurança, de tudo um pouco aconteceu.
Depois das elementares formalidades de embarque, dirigimo-nos para a placa do aeroporto e, de imediato, procuramos visualizar o nosso meio de transporte.
Lá ao fundo, um pouco à esquerda, encontravam-se dois helicópteros e um pequeno avião.
Saquei da minha Sony e apressei-me a registar imagens das aeronaves. De repente, um agente da autoridade puxa-me por um braço e informa-me que tenho que lhe entregar a cassete vídeo, porque estava a filmar em local proibido. (Para nos situarmos, registe-se que nesta data vigorava em Bissau o regime de partido único). Tentei, com calma, explicar-lhe que desconhecia a proibição, que não via qualquer risco para a segurança do país etc. etc. etc. Não tendo conseguido demover o agente da autoridade, recusei veementemente a entrega da cassete, porque tal significaria perder imagens únicas e irrepetíveis desta viagem à Guiné. Perante a minha recusa e a estupefacção dos meus acompanhantes, o agente levou-me para a esquadra do Aeroporto. Era a Guiné e a África destes tempos. Fiquei rodeado de alguns agentes da autoridade num espaço exíguo e, fizeram-me sentar numa cadeira. Exigiram-me o passaporte e ameaçavam retirar-me a máquina de filmar. Voltei aos mesmos argumentos, tentando de forma firme, mas respeitadora, explicar-lhes o que significava perder as imagens de uma viagem há tantos anos sonhada. Continuaram irredutíveis. Já não sabia o que mais fazer. Num relâmpago, ocorreu-me a ideia do suborno. Depressa desisti, porque poderia ser pior a emenda que o soneto. Enquanto isso, lá fora, os meus familiares procuraram, e encontraram, o nosso amigo Candé a quem contaram o sucedido. Apercebo-me da entrada de mais uma pessoa. Era Candé. Coloca-me a mão no ombro e diz-me para estar calmo. Sinto-me agora mais confiante. Até aí, sentia-me perdido e prestes a desistir. Candé, dirige-se aos mais graduados e troca com eles algumas palavras em crioulo. Inesperadamente, diz-me para me levantar e para sair para junto dos meus. Quando saí daquele abafado espaço, respirei bem fundo, devido ao ar sufocante e ao alívio da situação. Os meus familiares, meio incrédulos, viveram momentos de ansiedade. Candé voltou para junto de nós e, devolvendo-me o passaporte, disse-nos que estava tudo resolvido. Enquanto isso, o avião para Bubaque esperou por nós mais de uma hora. Informados os pilotos de que estávamos prontos, recebemos indicações para nos deslocarmos para o aparelho. Os inevitáveis abraços ao Candé e lá nos dirigimos ao aparelho.
Tratava-se de um mono motor muito antigo, de dupla asa, pertencente à “ASTRÁVIA” e com capacidade para dez passageiros. Acomodamo-nos. Tínhamos por companhia dois pilotos na cabine e uma simpática hospedeira, todos eles guineenses. Estava-mos a meio da tarde e um calor asfixiante dentro do aparelho.
O avião começou a movimentar-se na pista, preparando-se para a descolagem. A cabine de pilotagem não teria porta, o que permitia que os passageiros assistissem aos procedimentos do voo. Do tecto da cabine pendia um qualquer instrumento de medição que os pilotos consultavam. Tudo a postos e o avião descolou normalmente. Poucos minutos depois já estávamos sobre a água e, para além dos bancos de areia, começaram a ver-se os contornos de algumas ilhas. No aparelho, os tirantes que uniam as asas vibravam, mas o voo, de cerca de meia hora, decorria sem grandes oscilações. Os pilotos iam consultando o aparelho suspenso na cabine e tudo parecia bem. Um deles calçava um sapato rasgado na costura do calcanhar e as peúgas eram diferentes.
Viam-se agora com nitidez várias ilhas e sentimos que o aparelho iniciara a descida, apontando na direcção de uma delas. De relance vêem-se várias construções e uma linda praia bordejada de arvoredo, que sobrevoamos em direcção à pista de terra batida. Estava-mos longe de imaginar o que nos esperava na aterragem. O avião faz-se à “pista”, desce normalmente e toca suavemente no solo e, de repente, sobe bruscamente aí uns dez metros. A pista começa a ficar curta e ao fundo, termina com árvores de elevado porte. Perante esta inesperada situação, os pilotos “atiram” o avião para o solo com tal força, que todos nós, sacudidos nas cadeiras, soltamos um assustado grito com a violência pancada. Apesar do grande susto, lá conseguiram imobilizar o avião próximo do fim da pista. O trem de aterragem fixo, era dos rijos.
Desde o episódio com a polícia no aeroporto de Bissau, até esta aterragem na ilha de Bubaque, estas “férias” nos Bijagós prometiam. Num jipe sem cobertura e com os cabelos soltos ao vento, fomos conduzidos até ao “Maiana Village”. Esta unidade hoteleira, propriedade de um casal francês, ficava sobranceira a uma pequena falésia, bem junto ao canal que nos separa da Ilha de Rubane. Estava equipada com vários bungalows individuais, um salão restaurante, uma agradável esplanada e, de uma pequena piscina. No jardim, bastante arborizado, pontuavam muitos lagartos que se deliciavam com as sempre presentes formigas.
Resolvidas as formalidades da chegada, fomos deliciar-nos com um banho na piscina. Na esplanada e enquanto aguardava-mos o jantar, comentamos as peripécias deste dia inusitado.
Era-mos os únicos hóspedes do hotel. Ao jantar foi-nos servido um prato de massa com “estilhaços” de carne que, como habitual nos franceses, enchia mais os olhos que o estômago.
A temperatura por aqui, neste delta com 88 ilhas e ilhéus, é bem mais amena que na parte continental da Guiné. Caiu a noite e, antes de nos recolhermos, decidimos que o dia seguinte seria de descoberta da ilha, das suas gentes e das suas praias.
Continua………..
Zé Rodrigues
ResponderEliminarEu fiz essa viagem em Nov/1997 e no mesmo avião, mas fomos 13 pessoas.
Já faleceu o Edmundo Monteiro, proprietário do avião de quem vim a ser amigo mais tarde e até queria que eu fosse para lá pilotar o aparelho, vê lá tu, que mal sei conduzir carros
Para aterrar na pista de Bubaque 1º foi necessário afastar as "bacas".
Também fiquei no Maiana Club e o C... do francês que tinha ido do Zaire para lá, dava porrada nos empregados, no Rui e no Domingos, bons rapazes.
O proprietário do Asa Branca, há muito encerrado, era o Ramos, que agora está em Áfia, junto ao aeroporto. Fui lá muitas vezes jantar.
Também estive no Capé em Bafatá e nesse tempo, quem explorava aquilo era o Fernando Merino que pertenceu a uma CCav de Binar 1970/72.
Se queres mais do "moiro", vai no sábado à Tab dos Melros ao almoço, que eu depois conto-te o resto e para além disso, para te considerar gondomarense, nada impede que vás, pois a malta que também frequenta a Tab de Matosinhos também aparece por lá.
Recebe um abraço
Carlos Silva
Caro Carlos Silva
ResponderEliminarCom que então foste à frente para "picar" o caminho! Coincidências da vida. Lamento a morte do Edmundo, que só viria a conhecer quando nos fez companhia na viagem de regresso a Bissau.
Devido a compromissos familiares, decorrentes da "festança" do Senhor de Matosinhos, não foi possível estar nos "Melros".
Aceita um cordial abraço.
Zé Rodrigues